O Muricy Ramalho, então coordenador do São Paulo, contestou, numa visita a um podcast, a noção de “pressão” ou de “cobrança” de que jogadores de futebol de grandes equipes sofreriam constantemente. Segundo o Muricy, isso é uma “mentira”, uma “muleta”: um jogador que assina um contrato milionário, com um clube de milhões de fanáticos torcendo por ele, e que tem a seu dispor uma estrutura de trabalho de primeira linha (refeitório, pedicure, massagistas, academia, campo de treinamento…), tem que ser cobrado mesmo, não pode reclamar de nada.

Outra noção que é uma “mentira” pro Muricy é essa noção de “motivacional” — ele se refere a certos vídeos motivacionais que treinadores às vezes preparam a seus jogadores antes de partidas importantes, com depoimentos de familiares ou outras imagens pra gerar emoção. Porque, de novo, o jogador tem que ser cobrado por aquilo que ele tem que fazer.

E o são-paulino conclui com uma observação: o jogador bom, o craque, até gosta de ser cobrado; o jogador mais-ou-menos é o que mais reclama, diz que a carne do refeitório está ruim ou algo do estilo.

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Esta deliciosa lembrança trazida pelo Vampeta, jogador que compunha o elenco ganhador da Copa do Mundo em 2002, justamente sobre o vídeo apresentado pela comissão técnica da Seleção à equipe antes do jogo final contra a Alemanha, e a reação do seu colega de time Rivaldo a ele, meio que confirma o que o Muricy diz sobre essa “mentira” de “motivacional”, e de que craque — algo que o Rivaldo certamente era — não precisa de “muletas” assim.

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Isso que o Muricy percebeu convivendo com jogadores de futebol eu constatei na minha experiência dando aulas: quem dá problema é aluno ruim (com exceções, claro). Aluno bom não reclama do horário das aulas, da matéria das provas, da demora na divulgação das notas…

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Eu li em algum lugar o Kobe Bryant, um dos maiores jogadores de basquete da história, explicando quando ele se deu conta de que ele podia de fato dominar o esporte. Logo que ele se profissionalizou, ele viu que a maioria dos seus colegas não era lá muito esforçada nos treinos ou competitiva nos jogos — afinal de contas, com os belos salários que os jogadores ganhavam, as principais preocupações de vida deles já tinham sido resolvidas. O Bryant, com ambições que iam além das financeiras, pensou, “O quê? Esse povo acomodado aí é a minha concorrência? Nossa, vou dar um banho!” E de fato, foi o que aconteceu por muitos anos.

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Como mostra o Ryan Holiday no blog dele, o Kobe Bryant não é, nem de longe, o único profissional altamente bem-sucedido a ter esse olhar além de considerações, digamos, mundanas. O Holiday usa como exemplos o Nick Saban, técnico de futebol americano ganhador de diversos títulos no campeonato universitário, e o investidor multibilionário Warren Buffett. O curioso é que tanto o Saban quanto o Buffett não usam vitórias ou dinheiro como métricas pra definir seus sucessos. Como diz o treinador:

Todo mundo diz, “Ele acabou de ganhar uma partida de 31 a 3. Está reclamando de quê?” Mas isso volta para a noção do placar interno versus o placar externo. Qual é mais importante? Se você vai atingir seus objetivos, sempre tem de ser o placar interno.

(Coincidência ou não, o investidor também aplica essa ideia de “placar interno”.)

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